sexta-feira, 10 de abril de 2009

retrato em branco e preto

retrato em branco e preto
beré lucas - 1986



obs.: estes poemas foram escritos durante o
......... período da ditadura militar (1972 a 1986),
......... onde expresso minha indignação ao regime
......... ditatorial, que marcou profundamente, de
......... maneira sórdida, a liberdade do povo
......... brasileiro.

no país do medo
(inspirada num texto de frederico garcia lorca)

por detrás das bocas
palavras são gritos

(nas bocas caladas
mordaças silentes)

por detrás dos gestos
mãos trucidam

(nos gestos contidos
algemas de aço)

geografia da fome

me perco na geografia dos fuzis

baionetas soturnas
calam vozes
limitam vidas

aparentemente
não há dor
num país de out-doors

enquanto isso
o povo
come calado
o pão
que o diabo amassou com o rabo

liberdade

não vou
aprisionar
passarinho
na palavra

nem fincá-lo
em teias
de tintas

suas ágeis asas
não foram feitas
pra argila

e nem o seu canto
tem tons
pra escala

abro as grades
do tempo
e deixo ruflar
no peito

as asas do passarinho

alerta

se você
escutar
um tiro

o alvo pode ser você

se você
ouvir
um grito

a boca pode ser a sua

nestes tempos
seu corpo
pode cair
na rua
a qualquer momento

quando você menos esperar

cassiano recordo

enquanto seu corpo
jaz inerte
sob este chão que piso
os homens em constante correria
se agitam e se atropelam desvairados

do arranha-céu de vidro vislumbro
(ainda agora) as fábricas
em que se consomem os homens

a banda esquizofrênica
como que por encnto
parou

já não vejo o elefante
que ainda a pouco
atropelava os transeuntes

onde ainda o elefante branco?

ban de ira

meu mundo azul
(de bandeira branca)
no verde-amarelo
sem palavras
sem estrelas

meu mundo azul
(de bandeira branca)
concreto e frio
como a arma branca

monotortura

brasil
febre fabril

brasil
fé de fuzil

réquiem para mim mesmo
......................... "oh! coração perdido!
......................... réquiem aeternum!"
.......................................... lorca

breve
e provisório
(enquanto cheiro
enquanto cor)
sou flor

eterno
e constante
(enquanto terra
enquanto dor)
sou tempo

cheiros
me dilaceram
ponteiros
me trucidam

neste breviário
(diário constante)
nesta missa
(cinza das horas)

de corpo presente

compromisso

meu silêncio
cheira a sangue

não vou reter o gesto
limitar a fala

há uma vala vazia
esperando corpos

e o silêncio me dói
feito fuzil
num corpo amigo

latifuneral

na latrina
latina
ladrões
lunáticos
enlatam
lutas

os invasores

alguém pegou a chave
abriu a porta
penetrou no meu quarto
e pintou o país de verde-amarelo

um fuzil espreita minha solidão

anti-toada para os que não podem e não querem lutar

os que não podem
os que não querem lutar
estão calados

o fuzil é tão forte
o ar tão impuro
que ninguém ousa
levantar a voz

os que não podem
os que não querem lutar
estão calados
estão calados
sofrendo

e ninguém ouve o grito
que se amortalha
por detrás do canto

canto favelado

atrás do peito
veredas
trago imerso
o grito

atrás dos olhos
profundos
trago visões
de mortalhas

atrás da boca
vazia
trago a barriga
da fome

no país da anestesia

olhos vazados
não vêem miséria

ouvidos moucos
não escutam gritos

nariz sem faro
não cheira morte

mãos sem vida
não tateiam coisas

na boca lacrada
não entra mosquito

o fantasma da morte

ciprestes no espaço
entorpecem o ar

corvos soturnos
grasnam noturnos

a lua medonha
está ressentida

a chuva soluça
crepita trovões

o céu noctâmbulo
recobre a terra

e o país morre
a cada segundo

Nenhum comentário:

Postar um comentário