
deus barbudo
um deus barbudo
carrancudo
todo senhor de si
lá do seu latifúndio largo
cheio de pigarros
tossindo grosso
me disse:
- vai beré
ser besta na vida
dos meus óculos míopes
miúdo
cá de baixo
entre os homens
descobri
que deus
apesar de tantos
estava
redondamente enganado
e eu desculpo deus
por isso
ausência de poesia
imparciais
as palavras
desafiam o poeta
indiferente
o poeta
espia as palavras
entre um e outro
nada se revela
e o tempo ponteia
no espaço em branco
um canto mudo
meus irmãos
desconhecidos
os meus irmãos são
tprtps
iguais em tudo
desfalecidos
os meus irmãos são
turvos
iguais em terra
desvalidos
os meus irmãos são
tardos
iguais no tempo
desvanecidos
os meus irmãos são
todos
iguais em tese
elegia
um solo morno e displicente
(mis do que antes devia)
espreguiça no horizonte
sua pálida vontade
uma tristeza profunda
de neblina resfriada
dói no tempo (e como)
feito faca afiada
estendida a montanha
mal sustenta o seu gesto
debruçada em terra fria
cheirando a coisa velada
e por detrás a vida
muito mal iluminada
simula um lerdo brilho
quando (in dentro) só morre
um homem vestido de branco
que seu passo livre
passeando a casa
abra longos sulcos
revolvendo a terra
que seu canto limpo
plante onde cava
semente maior
com gosto de ser
que seu gesto branco
apronte pra sempre
dentro em nosso peito
deminsão de vida
que vossa colheita
seja toda nossa
dividindo frutos
repartindo amor
palavra qu'eu espreito
a palavra qu'eu espreito
tece na boca um calado
me olha casmurra e lacrada
aprontando seu canto surdo
se vestindo de mudez
a palavra qu'eu espreito
me engana a toda hora
com seus dois gumes de faca
me espiando de fora
a palavra qu'eu espreito
é seca nunca transborda
só me ferindo por dentro
me convidando pra fora
a palavra qu'eu espreito
não se vexa nem com tapas
e se atarraca à garganta
com seu silêncio e pirraça
houve um tempo
onde o tempo não habita
com ponteiro demarcado
bem pra lá do outro lado
esquerdo do coração
houve uma vez um menino
onde o espaço não se fita
com quintal esverdeado
lá pelas bandas da brenha
do peito ensimesmado
houve uma vez uma casa
onde o tempo não se fita
e o espaço não habita
houve uma vez um menino
houve uma vez uma casa
e essa saudade que finca
liberdade
se o penhor dessa LIBERDADE
conseguimos
inda que tardia
entre o sangue nosso
derramado
trucidado vai raiando o DIA
canto de libertação
que o terno não seja
o limite do seu corpo
e nem que haja gravata
sufocando o seu pescoço
que a viseira não seja
a dimensão dos seus olhos
e nem que haja olheiras
escavacando a sua cara
que a mordaça não seja
rolho pra seu sufoco
e nem que haja palavras
entrelaçando o seu mofo
que as mãos não sejam
a gula do seu possuir
e nem que haja nos dedos
suas contas a fluir
que os sapatos não sejam
o seu programado caminho
e nem que haja nos passos
rastros traindo seus pés
que os braços não sejam
suas porradas no vento
e nem que haja nos gestos
seu vício de bater ponto
e que você não seja
papel fedendo a arquivo
e nem que haja na vida
o seu destino de rato
canto de fé
nenhum fuzil
reprime o meu canto
nenhuma mordaça
cala a minha voz
nenhum carrasco
me apronta medo
nenhuma viseira
veda os meus olhos
nenhum dinheiro
me compra a verdade
nenhuma farsa
me dobra a certeza
de que um sol mais largo
está pór brotar
a respeito de um determinado tempo
o tempo escoado
não é um quarto apagado
de luz tão carente
com gotas de vela
o tempo escoado
não se conta nos dedos
e nem se tranca em baú
o que se fez de memória
o tempo escoado
não são águas perdidas
que cumpriram seu destino
de moinho rodado
o tempo escoado
não são rastros tecidos
deixados de banda
numa estrada qualquer
o tempo escoado
não é um canto traído
atarracado à garganta
ruminando nudez
fogo sob cinzas
e se de repente
nos olhos embotados
um brilho se fizesse
na cara todo estampado
e se de repente
no passo extraviado
um destino se traçasse
inverso ao programado
e se de repente
no braço injustiçado
o punho alevantasse
seu gesto de desforra
e se de repente
na boca trucidada
a voz entoasse
o canto sempre esperado
e se de repente
do povo viesse à tona
o indigesto engolido
após estes tantos anos
e se de repente
surdina lilás
já fui moça de família
hoje farsa de bandido
e de coração partido
dou meu corpo pra quem quer
já sonhei hoje me cala
sou retalho de mulher
sou a puta dos tostões
a mais fácil mulher
égua estreita pasto largo
nas camas dos rendevouz
e todinha me amofino
na surdina do abajour
trajetória traída
eu sou o dono da fala
que por enquanto se cala
espreitando a sua vez
eu sou a terra cansada
pelos meus braços trepada
parindo frutos
eu sou o posseiro da praça
sobrevivendo à desgraça
do seu poder me engolindo
eu sou essa mão alargada
digital em pátria amada
construtor dessa nação
eu sou na força do braço
o timão de toda raça
eu sou o povo na história
um soneto bastardo
tanta vergonha em mim
me vem da origem que sou
certificado em nascimento
e de certidão parido
sou o bastardo da raça
filho da fome e do medo
mamando no esgoto da história
sou o comparsa da trama
o da boca sempre calada
a cadela do meu patrão
sempre abanando o rabo
pras porradas que um dia
me fizeram brasileiro
nosso tempo
nosso tempo
é o de dar nó
em goteira
matar cachorro
a grito
pernilongo
a beliscão
estamos num mato
sem cachorro
perdidos
que nem cego
em tiroteio
o amor
é um chute no saco
ofício de cachorro - profissão poeta
fazer poesia
é andar de quatro
na vida
farejando o resto das palavras
é dar mijadas
no poste do tempo
é engatar o rabo
na cadela da cachorra
é dar latidos de homem
neste mundo cão
na ordem do dia
perdi a armadura
a vocação pra herói
e o cavalo qu'eu nunca tive
me deixou a pé
catapultas me ferem
perante o dia
à noite cantochões
me esfarrapeiam a sorte
não trago de quixote
a ilusão diária
nem panchovilo
porções de açoite
estou (só) neste país
exposto à bigorna
oficialmente na ordem do dia
aleijadinho
transfugado de deus
o homem aqui na terra
peca por ser humano
a insana dor doída
na carne que perece
profundamente cava
na pedra endurecida
os dedos do céu
e ao relento
como um cão abandonado
um cinzel esquartejado
misturando deus e diabo
fere o tempo
em tempo de adeus
a vida não pára
e o tempo se esgota
numa exatidão infinita
o que se passa
no meu coração
não sei
a mim me basta
a ignorância enxuta
de eu estar sozinho
tracando rumos
passos plurais
sou inteiro
em cada gesto
em cada fala
e me entrego em luto
(pra você inteiro)
perante o havido
recado
maria
este país
num tá nada legal
vamos pedir a conta
e sair deste boteco
há sempre
há sempre um pouco de sangue
pra gente poder olhar
em cada dobra de esquina
em cada resto de lar
há sempre um pouco de sangue
pra gente poder tomar
em cada corpo debruço
em cada herói-calabar
há sempre um pouco de sangue
pra gente poder gritar
em cada língua torcida
castrada no seu falar
hé sempre sangue de sobra
pra gente poder lutar
nessa sangueira danada
chamada de nosso país
me perco na geografia dos fuzis
baionetas soturnas
calam vozes
limitam vidas
aparentemente
não há dor
num país de out-doors
enquanto isso
o povo come calado
o pão que o diabo
amassou com o rabo
meu silêncio
meu silêncio
cheira a sangue
não vou reter o gesto
limitar a fala
há uma vala vazia
espreitando corpo
e o silêncio me dói
feito fuzil
num corpo amigo
na ausência da palavra
o poema por (se) fazer
e que não tem sentido
é um resto cansado da noite
circulando intenso na vida
o poema por (se) fazer
e que não foi feito
é um sentimento inexato
no ato im-próprio de ser
o poema por (se) fazer
e que não foi possuído
é um papel todo em branco
de palavras ausentes
jogando limpo
(eu comigo)
a consciência exata
do meu limite:
a palavra nunca dita
a vida nunca doada
e uma vontade incrível
de fazer de conta
facalha
faca fere feito folha fina
fere feito faca fina folha
fina faca folha feito fere
folha fina fere faca feito
feito folha fina fere faca
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