sábado, 25 de julho de 2009

poemas avulsos - 1996 a 2000

poemas avulsos - 1996 a 2000






é no teu corpo mulher

é no teu corpo mulher
que me entrego cativo
e aos poucos vou morrendo
nessa entrega em que vivo

é no teu corpo mulher
que aos poucos me refaço
é nele que me liberto
estando preso no laço

é no teu corpo mulher
que me encontro achado
mesmo me sabendo perdido
por quanto que tenho te amado

o amor

o amor quando é intenso
não respeita calendário
não anda em linha reta
sempre rompe itinerário

segunda vira domingo
quarta se transforma em sábado
qualquer canto é um motel
este amor sempre é sagrado

bem dito seja o amor
quando é assim assado
rompre correntes alça vôo
e se espalha pelos lados

roca do tempo

o tempo com seu fio invísivel
aos poucos vai tecendo o seu tecido
e cava no rosto sulcos profundos
onde antes só liso se fazia

por capricho o tempo arma nos cabelos
uma alvura de lã tão raleada
e na fronte apronta uma clareira
onde antes só adornos se instalavam

no peito crava uma secura
uma indiferença como nunca se esperava
e nos olhos o opaco abafa o brilho
que o tempo só por si se alinhava

saudade

a saudade bate forte
quando é feita de amor
é um nó na garganta
arrochando mais a dor

é um oásis no deserto
seco profundo sem cor
rodeado de areia
onde nunca nasce flor

as nuvens

as nuvens no céu brincando
são gostosas de se ver
parecem algodão doce
brancuras de se comer
barulhinhos tilintando
no ouvido do amanhecer

poética

a poesia é minha estrela
e guia dos meus caminhos

na cerveja me abrando
tiro arestas dos espinhos

no cigarro me disfarço
suspiro bem de mansinho

e na mulher me entrego
sem receio de estar vivo

para que ninguém a quisesse
(inspirado no conto de marina colasanti)

esquecida dos seus anseios
a mulher se amofinou
virousombra entre móveis
feito chama se apagou

ela que era tão linda
que de bela se fartou
agora um vulto perdido
farrapos do que sobrou

e o marido arrependido
sem ter o que sempre podou
carrega nas mãos vazias
memória do que tosqueou

uma breve estória da literatura II

o mal se entrelaça no bem
o sagrado ao profano
ou se desgraça no céu
ou se liberta mundano

a natureza como sempre
repete o velho ditado
se me perco na cidade
no campo encontro traçado

tanto rebanho tão tanto
pastoras pra tantos agrados
que o simples adverte
a vida tem seu cajado

contra o clero e a realeza
com toda força lutei
por liberdade e igualdade
com fraternidade sonhei

mas meu sonho durou pouco
eu que tanto acreditava
pois os burgueses me usaram
pra aquilo que tanto brigaram

e não demorou quase nada
a máquina engoliu o malho
e a exploração das indústrias
minha força de trabalho

infância

a poeira da rua
o pé na bola
o quintal do vizinho
a goiaba roubada
a água do rio
o corpo molhado
papagaio no vento
liberdade tramada

um fio de sonho
lembrança tecida
passado de infância
lamento perdido
saudade no peito
soluço pingado
menino no tempo
a alma partida

um espaço

havia uma vez um espaço
em tudo um tanto vazio
feito um rio sem água
feito uma estrela sem brilho

era duma tristeza tão tanta
seco de lágrimas sequinho
que não havia espaço pra flores
tão pouco para espinhos

mas um dia não sei quando
tudo se transformou
foii quando assim de repente
uma criança chegou

e vendo aquele espaço
vazio tão só sem igual
assoviou uma canção
semelhante a um pardal

e o espaço vazio
se encheu de alegria
feito um tecido de amor
que aos poucos lento se fia

globalização

quando chove
no meu quintal
o mundo molha
todinho

mas eu fico
sem saber
e nisso me perco
todinho

por que será
que o real
perto do dólar
é pouquinho

uma breve estória da literatura III

ela no pedestal
e o poeta cá em baixo
ela toda etérea
e o bardo pobre capacho

ele partiu pra bem longe
e ela sofrendo calada
seu retorno é de incerteza
e ela de corpo abrasado

o mundo que era pequeno
aos poucos foi alargado
e o fio do destino
pelo homem foi traçado

e o que era submisso
rompeu novos horizontes
atravessou arco-íris
foi beber em novas fontes

mas o tempo de uma vida
já é bem delimitado
unir deus e o diabo
se torna mais complicado

a morte no seu cavalo

a morte no seu cavalo
com seu chicote de prata
anda pelos quatro ventos
sem ter pressa sem ter hora

a morte no seu cavalo
com seu chicote de prata
é d'uma gula implacável
quanto mais menos se farta

a morte no seu cavalo
com seu chicote de prata
galopando pela vida
sem aviso logo empaca

a morte no seu cavalo
com seu chicote de prata
sem escolha na garupa
qualquer um logo arrebata

a morte no seu cavalo
com seu chicote de prata
............................................
............................................

amor amor

ela na torres dos sonhos
forma etérea inventada
e ele um bardo coitado
ruminando seus anseios

mulher nunca houve igual
nem amor tão relevante
que o amor assim sendo
se figura mais prestante

tanto amor tanto por nada
que a amada nem existe
mas num coração dedicado
amor e amada persistem

lucrécia
(uma breve estória sobre uma dama romana)

tão dedicada era a dama ao seu amado
e só por lúcio fiava o seu amor
feito um tecido que aos poucos se alinhava
que nem botão treinando pra ser flor

tal galhardia em tal dama findaria
quando por tarquínio foi violentada
rompeu-se o tecido que então tecia
findou-se a rosa sem ter desabrochado

na casa romana agora é só luto
o tecido reveste-se de mortalha
e a rosa podada agora já sem pétala
enterra no próprio peito a doce espada

haicai inocente

anjos pelados
no varal do arco-íris
alvejam asas

cantar de amigo

distância tanto distante
estando ela do amado
tricota uma volta absurda
com o fio do esperado

seu corpo na noite tremido
tendo o vazio de lado
tece uma lerda esperança
um amor de forma vago

e entre um gozo e outro
pelo tempo acumulado
o travesseiro vira amante
e a saudade pecado

algumas considerações em torno de uma foto

debruçado na sacada da história
paraliso o ponteiro das horas
e teço a geometria do antigo
feito um burro de carraça
carregando no seu dorso
carga de outras memórias

aos poucos a minha saudade
vai erguendo um casarão
onde "a vida de minas"
tijolo por adornos
tece a sua arquitetura
pra ser patrimônio da vida

sou um vulto entre alameda
sem pressa de perder o bonde
porque os trilhos entre pedras
(indiferentes ao bueiro do tempo)
me dão uma certeza nítida
de que a vida permanece
mesmo que seja na foto

falar de amor

não me venham
falar de amor
qu'eu estou
de saco cheio
de tanto amar
de tanto entregar
de tanto sofrer

não me venham
falar de amor
qu'eu estou
de peito vazio
de tanto desamor
de tanto perder
de tanto roer

assim & assado

o mais inteiro
é quem se divide

o que mais tem
é o que mais reparte

o que mais briga
é o melhor amigo

quem planta vento
espanta tempestade

o mais partido
é quem se preserva

o que mais doa
é o que mais retém

o que mais passa
a mão na cabeça

honra seja feita
é o pior compadre

entre sentimentos

entre um sentimento e outro
estando atordoada
a mulher e seus desejos
são lampejos de saudade

o macho deixou sua marca
não na superfície da pele
mas na alma dolorida
que muito mais profundo fere

e ela que vivia tranquila
segura no seu calado
aventurou-se no amor
e por isso anda lesada

a respeito de uma grade

a grade da sacada me agrada
é como se a brisa do tempo
soprasse na minha memória
antigas lembranças

que donzela esteve (aqui) debruçada
vestida e vistosa aguardando
(quem sabe) o namorado
ou que senhora (aqui) esteve
(já cumprida as horas)
aguardando a morte

e os ferros entrelaçados da grade
(apesar do silêncio contido)
revelam coisas antigas:
suspiros perdidos no vento
saudades desconhecidas

em vão a tinta fresca
da grade recém-pintada
tenta sufocar o passado

ausência do amor I

se alguém souber do amor
que me indique o caminho
pra encontrar seja onde for
com ele só um pouquinho

quem souber seu paradeiro
que me dê seu endereço
qu'eu quero ser o primeiro
a sentir o seu apreço

se alguém me informar
será bem gratificado
já vasculhei céu e mar
sem ter nunca encontrado

o amor saiu sem rumo
nem deixou seu endereço
e sua ausência me dói
na garganta pelo avesso

ausência do amor II

a ausência do amor
é uma agulha sem fio
costurando no peito
um tecido tão vazio

a ausência do amor
é um barco sem timão
perdido em pleno mar
naufragado coração

a ausência do amor
é osso duro de doer
é cachorro sempre latindo
sem caninos pra morder

a ausência do amor
é um deserto sem fim
onde dunas se acumulam
e jogam areia sobre mim

determinação

feito um cachorro
(perdido)
viro a lata desse mundo
mesmo sabendo
que é duro esse ofício
(de viver)

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