segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Adão Ventura - Do Surreal à Cor da Pele

Adão Ventura - Do Surreal à Cor da Pele
ALVARENGA, Berenício Lucas


Conheci Adão Ventura em 1977. Nesta época , colaborávamos no Suplemento Literário do "Minas Gerais". Seu primeiro livro de poesia "Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul "(l970) e o segundo "As musculaturas do Arco do Triunfo "(1981) são livros marcados por uma linguagem surreal e alegórica que camufla a postura de comprometimento racial deste poeta negro. Os excessos de metáforas provocam malabarismos poéticos e torna sua poesia um tanto hermética: basta observarmos os títulos dos livros. Para nossa surpresa, no mesmo ano em que ele lançara "As musculaturas do Arco do Triunfo", ganha edição seu terceiro livro de poesia: A Cor da Pele.

A COR DA PELE
A cor da pele A cor da pele
saqueada vomitada
e vendida e engolida

A cor da pele A cor da pele
chicoteada esfolada
ecuspida em banho-maria

A cor da pele
camuflada
e despida


Com a publicação de "A Cor da Pele", o poeta que fazia jogos verbais cede lugar a um novo poeta: um poeta comprometido e engajado com suas raizes de afrodescendente. E o importante é que sua poesia desnuda-se de malabarismos poéticos e ganha uma força assustadora de denúncias.Sua linguagem ,agora, torna-se
direta e fria como um açoite na pele.

PARA UM NEGRO

Para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.

No poema "Origem", Adão Ventura assume de vez a cor da pele:
Vestir a camisa
de um poeta negro
-espetar seu coração
com uma fina
ponta de faca.

A consciência deste poeta negro se explicita em "História":
A história
do negro
é um traço
num abraço
de ferro e fogo.

Adão Ventura, natural da cidade de Santo Antônio do Itambé, Serro, Minas Gerais, veio a falecer em 2004, vítima de um câncer. Que Oxalá te proteja, amigo!

Em 1979, quando lecionávamos na Escola Albert Einsten tivemos a oportunidade de trabalhar com o livro "A Cor da Pele". Na ocasião nossos alunos desenvolveram um trabalho junto com o autor. No ano seguinte, publicamos, no Suplemento Literário do Minas Gerais, um poema dedicado a Adão Ventura.

preto retinto da noite
pro adão ventura

preto retinto d noite
eu sou da áfrica
essa cor expatriada
animal encabrestado
pra servir a qualquer dono

preto retinto da noite
eu sou da áfrica
esse corpo enchibatado
animal então domado
pra servir bem o meu dono

preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa mão alevantada
de zumbi cabeça cortada
por domingos jorge velho


preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa voz enclausurada
esses olhos embotados
doendo fundo

preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa raça espoliada
por três leis ludibriado
que entretanto não engulo

Observação:
ALVARENGA, Berenício Lucas (Beré Lucas) é professor da rede pública e foi amigo pessoal do Adão Ventura. Aluno do Curso do Projeto UNIAFRO, faz uma homenagem ao poeta no módulo Literatura Africana de Língua Portuguesa.

Um comentário:

  1. Ei, Beré!
    Aqui á Ana Romano, filha do Olavo, sua aluna no Einstein, no milênio passado!Rs
    Tudo bem? Espero que sim! Onde vc anda?

    Pesquisando sobre Adão Ventura encontrei você em seu blog! Mto legal!
    Escuta, estou fora do Brasil estudando, e estou procurando o livro do Adão Ventura A Cor da Pele, ou pelo menos o poema, na integra.
    Vc teria como me enviar pfv?
    Te agradeço muito, se for possivel.
    Meu email é anapromano68@gmail.com

    Mais uma vez mto obrigada!

    Um grande abraço,
    Ana

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