POEMAS PUBLICADOS NO SUPLEMENTO LITERÁRIO DE MINAS GERAIS
(Estes poemas foram publicados neste suplemento entre os anos de 1977 a 1987)
(Estes poemas foram publicados neste suplemento entre os anos de 1977 a 1987)
reverso - 12/03/1977
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
pulsa insatisfeita
tecendo seu desespero
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
lança seu grito mudo
no planeta dos calados
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
é pior que um grito mudo
é uma boca trucidada
ouro preto - ainda uma vez - pela primeira vez em tempo de festival
pra iracê - 08/10/1977
ouro preto
é um imenso vale
profundamente mineral
suas ruas num sobe e desce
num vira e dobra
são labirintos soturnos
envolvendo corpos
e as pedrinhas
que fazem ladeiras
fuchicam indignadas
feito comadres
suas casas nos espiam
(austeras)
com um pudor
estritamente mineiro
em cada esquina
em cada largo
em cada morro
uma igreja nos vigia
(puritana)
rezando salmos
anjos pacientes entornam
água
nos chafarizes
petrificados
à noite
(indefinida)
quando o frio é faca ferindo faces
as casas se encostam umas às outras
e se aquecem seculares
paternal
como a MÃO mineira
ouro preto persiste
eternamente acolhedor
retalho incompetente de "as impurezas do branco"
pra carlos drummond - 14/01/1978
a vida é o absurdo
das coisas acontecendo
cada manhã
é uma porrada na cara
e descubro em você
hematomas da vida
não caí do cavalo
porque não tenho cavalo
e nunca fui napoleão
não pago espera
nem faço extraordinários
tudo me é difícil
não há tempo de escolha
só existe o silêncio
absoluto
das coisas que calam
e essas coisas caladas
submergidas
me passam pelo peito
como em vídeo de tv
no quarto de banho
banheiro
pomba não pousa
e nem há purificação de corpos
no ar
o esparso tremor de prata incendiada
é pura literatura
enquanto isso
recordo sonâmbulo
seu vulto ausente
em tempo de adeus - 22/04/1978
a vida não pára
e o tempo se esgota
numa exatidão infinda
o que se passa
no meu coração
não sei
a mim me basta
a ignorância enxuta
de eu estar sozinho
traçando rumos
passos plurais
sou inteiro
em cada gesto
em cada fala
e me entrego em luto
(pra você inteiro)
perante o havido
dois poemas mofados - 08/07/1977
1. quarto de pensão
o véu suicida da poeira
reveste o tempo
e o seu lerdo mofo andeja
pelo que já foi
em vão a luz do céu
(sombreando tudo)
invade o quarto
e cheirando a pinga
inúteis baratas passeiam
sobre o quadro
meu retrato morto
2. retrato antigo
pés dosados
passos medidos
surdina de veludo
por entre sombras
vigiando a casa
(saudosamente antiga)
a memória empoeirada
desliza naftalina
e o bigode grisalho
debruçado sobre o tempo
espana sem brilho
a vida da moldura
van gogh - meteoro maldito - 1978
ciprestes labaredas de fogo
o canto maldito dos deuses
retalhando a raça
punhaladas de tintas
gralhadas de cor
apregoado infinito
pro início do resto
fusão céuterrada de brumas
amarelecida de corvos pichados
(abrindo o caminho do inferno
van gogh sepulta seu corpo num tiro)
memória - 05/05/1979
minha mãe
era um balde d'água
derramando solidão
(sempre aos sábados)
pela casa toda
nas panelas de domingo
ela temperava
sua angústia corriqueira
e nó meninos
do lado de fora daquilo
trazíamos nos olhos grandes
uma boca só
do café pela manhã
diariamente me lembro:
seus passos enchinelados
entrando pela greta
da porta do coração da gente
e nos dizendo bom dia
(faz tanto tempo)
poema pro macárius - 01/09/1979
enquanto a vida
na ponta dos dedos
apronta o seu destino
na arena dos números
os ponteiros trotam
minha solidão
enquanto a magia
descascando alho
espanta seus demônios
na dobrada da noite
milhões de capetas
me cospem no coração
enquanto a poesia
enletrada de cerveja
ludibria seus guardanapos
debruçada na mesa
meu resto de encanto
sou seu inquilino
pablo - 10/02/1979
(onde bate forte o coração da criança)
quando pablo nasceu
era carnaval
fazia fevereiro
e todo o universo
na garganta de pablo
raiou nascimento
pablo não tem idade
nem identidade
pablo é menino
e como tantas outras
crianças por aí
pablo sobrevive
pablo vem sendo
onde pinga longe
gotas de saudade
pablo é passado
onde pulsa quente
as coisas de agora
pablo é presente
pablo é um furo
um corte azulado
pablo é futuro
os olhos de pablo
são o céu
(á tardinha)
depois da chuva
com seu colar de arco-íris
pablo é catarata
escoando leve
que nem pena
de passarinho
pablo é o céu e o mar
brincando de fazer horizonte
pablo é quando o sol
cansado de aprontar raios
mistura as cores
e tinge a terra
pablo é um filete
de água miúda
recortando doce
extenções de terra
pablo é onde
a terra se acumula
pra ser montanha
pablo são nuvens
com asas de vento
simulando passarinho
pelo chão descalços
os pés de pablo deslizam
que nem brisa
felicidade
é a mão de pablo
tocando de leve
nas coisas
em pablo
não há tempo bastante
para contá-lo
pablo é o avesso
das coisas acontecendo
pablo é desenredo
pablo não é estória
pablo é um menino
que me pediu pra ser
e ficou sendo
caldeira (estudo I) - 16/06/1979
uma caldeira vista assim
só de viseira olhada
não conta o tempo sugando
não conta o suor escorrendo
não denuncia o bandido
nem o grito reprimido
esbugalhando nos olhos
por pirraça e picardia
desfazendo o inventado
desentranho da caldeira
o que está do outro lado:
se é destino traçado
o homem seu braço comido
sua força de trabalho
inteiro fazendo história
e rimo o quente metal
que me devora por dentro
com o suor escorrido
no rosto de tanta gente
verde que te quero ver-te - 19/01/1980
(a preparação para o poema)
pro sérgio welinghton)
branco
que não te quero
bronco
te quero de boca
falado
branco
que não te quero
brando
te quero de punhos
cerrado
branco
que não te quero
pálido
te quero de sangue
banhado
branco
que não te quero
parvo
te quero de vidas
atado
em busca da palavra - 24/05/1980
"o signo como ídolo prende
o indivíduo no imediato
da representação subjetiva.
é solipsista e narcisista."
fosse o tempo
esse espaço pervertido
destituído de briga
pesadelo brusco
escavacando a saudade
retalhando o mundo
naquilo que nos concede
por menor que seja
gente
mais valia
e se não fosse tanto
o conviver doído
em tudo e já faz tantos
que no aprendizado
o sangue virou suco
servido em mesa larga
dessa poetada antiga
essa poemada adunca
preto retinto da noite - 02/08/1980
pro adão ventura
preto retinto d noite
eu sou da áfrica
essa cor expatriada
animal encabrestado
pra servir a qualquer dono
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
esse corpo enchibatado
animal então domado
pra servir bem o meu dono
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa mão alevantada
de zumbi cabeça cortada
por domingos jorge velho
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa voz enclausurada
esses olhos embotados
doendo fundo
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa raça espoliada
por três leis ludibriado
que entretanto não engulo
poética - 14/02/1981
pra tânia Heller
minha poesia
é um menino antigo
sentado na cancela do tempo
afiando o seu bodoque
tecendo sua pedrada
minha poesia
é onde o tempo
não marca espera
nem ponto de chegada
minha poesia
é a mulher qu'eu nunca tive
esperando sem pressa
um dia ser amada
minha poesia
é a miséria do povo
cantando na rua
a sua fome
minha poesia
não traz gula
nem palavra espreitada
minha poesia
é a vida acontecendo
e o meu caminhar com ela
fantasia - 08/08/1981
(pro thiago - meu filho)
o nome não interessa
a idade não vem ao caso
pois quando se é criança
o coração é bem largo
que nem canteiro curtido
pra semente preparado
disposto pra plantação
e foi assim que de repente
de modo desavisado
que a poesia plantou
com toques de encantado
no coração do menino
que só vivia trancado
miúdo no apartamento
e tudo aflorou fluiu
de modo inesperado
no coração do menino
que vivia bilotado
mal sabendo das coisas
que têm de muito um bocado
de encanto pra tanta vida
mal a manhã acordava
bocejando a sua cor
o menino já transava
por detrás do horizonte
que fica ali bem de frente
do apartamento trancado
uma pitada de sol
invertendo o bocejo
que vem da boca cançado
vestiu-se todo de um vento
que anda sempre molhado
e saiu soprando de leve
uma saudade danada
das montanhas que haviam
encheu encharcou de terra
pra tanto espaço vazio
seu coração ondulado
e o fileto miúdo
de água tão limitado
empapuçou-se de encanto
jorrou molhou pelos lados
tanta terra ressentida
e o que era castanho
elos olhos modulados
vestiu-se todo de um verde
de matas pelo lembrado
e se atirando de manso
pelo caminho alargado
que tem de água o profundo
aprontou ondas
estendendo um tapete
de tanta areia tão largo
que se perdia de vista
por gosto do contornado
teceu praia
com tanta coisa bonita
pintando assim à doidado
no coração do menino
que só vivia trancado
pela greta do vidro
do basculante quebrado
ensaiou ser passarinho
da gaiola libertado
e se atirou pelo onde
no mundo do faz de conta
vestidas todas de branco
as nuvens têm aprontado
as brincadeiras de sempre
fazendo arruaça no céu
pedaço de terra - 1987
(pro thiago - meu filho)
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra soltar papagaio
no céu mais bonito
que possível houver
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra fincar brincadeiras
e seu encanto de gente
banhado de azul
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra molhar o seu corpo
num riacho gostoso
cristalino de luz
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra aprontar-se menino
que nem passarinho
treinando pra ser
visitantes noturnos - 1987
há muito tempo
os mortos
não me deixam dormir
eles circulam pela casa
o tempo inteiro
inventando coisas:
na fornalha
minha mãe prepara
uma goiabada
que nunca chega ao ponto
(me pedindo lenha
que nunca acaba)
na bigorna
meu pai martela
um outro tempo:
conserta a garrucha de são pedro
barganha com os anjos
e futrica no relógio de deus
uns olhos verdes
caminha pelos cômodos
cantarolando saudosa
(assobiando reprimida)
uma cantiga que sempre cantou
uma canção de banho
e uma caneta que de formatura
de presente e prestante
se perdeu no tinteiro do tempo
é recente indigente
e do meu lado esquerdo
do outro quarto
um outro defunto
entre livros e pigarros
me cutuca na noite
pra eu registrar
as nossa memórias
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
pulsa insatisfeita
tecendo seu desespero
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
lança seu grito mudo
no planeta dos calados
no reverso do meu verso
a palavra nunca dita
é pior que um grito mudo
é uma boca trucidada
ouro preto - ainda uma vez - pela primeira vez em tempo de festival
pra iracê - 08/10/1977
ouro preto
é um imenso vale
profundamente mineral
suas ruas num sobe e desce
num vira e dobra
são labirintos soturnos
envolvendo corpos
e as pedrinhas
que fazem ladeiras
fuchicam indignadas
feito comadres
suas casas nos espiam
(austeras)
com um pudor
estritamente mineiro
em cada esquina
em cada largo
em cada morro
uma igreja nos vigia
(puritana)
rezando salmos
anjos pacientes entornam
água
nos chafarizes
petrificados
à noite
(indefinida)
quando o frio é faca ferindo faces
as casas se encostam umas às outras
e se aquecem seculares
paternal
como a MÃO mineira
ouro preto persiste
eternamente acolhedor
retalho incompetente de "as impurezas do branco"
pra carlos drummond - 14/01/1978
a vida é o absurdo
das coisas acontecendo
cada manhã
é uma porrada na cara
e descubro em você
hematomas da vida
não caí do cavalo
porque não tenho cavalo
e nunca fui napoleão
não pago espera
nem faço extraordinários
tudo me é difícil
não há tempo de escolha
só existe o silêncio
absoluto
das coisas que calam
e essas coisas caladas
submergidas
me passam pelo peito
como em vídeo de tv
no quarto de banho
banheiro
pomba não pousa
e nem há purificação de corpos
no ar
o esparso tremor de prata incendiada
é pura literatura
enquanto isso
recordo sonâmbulo
seu vulto ausente
em tempo de adeus - 22/04/1978
a vida não pára
e o tempo se esgota
numa exatidão infinda
o que se passa
no meu coração
não sei
a mim me basta
a ignorância enxuta
de eu estar sozinho
traçando rumos
passos plurais
sou inteiro
em cada gesto
em cada fala
e me entrego em luto
(pra você inteiro)
perante o havido
dois poemas mofados - 08/07/1977
1. quarto de pensão
o véu suicida da poeira
reveste o tempo
e o seu lerdo mofo andeja
pelo que já foi
em vão a luz do céu
(sombreando tudo)
invade o quarto
e cheirando a pinga
inúteis baratas passeiam
sobre o quadro
meu retrato morto
2. retrato antigo
pés dosados
passos medidos
surdina de veludo
por entre sombras
vigiando a casa
(saudosamente antiga)
a memória empoeirada
desliza naftalina
e o bigode grisalho
debruçado sobre o tempo
espana sem brilho
a vida da moldura
van gogh - meteoro maldito - 1978
ciprestes labaredas de fogo
o canto maldito dos deuses
retalhando a raça
punhaladas de tintas
gralhadas de cor
apregoado infinito
pro início do resto
fusão céuterrada de brumas
amarelecida de corvos pichados
(abrindo o caminho do inferno
van gogh sepulta seu corpo num tiro)
memória - 05/05/1979
minha mãe
era um balde d'água
derramando solidão
(sempre aos sábados)
pela casa toda
nas panelas de domingo
ela temperava
sua angústia corriqueira
e nó meninos
do lado de fora daquilo
trazíamos nos olhos grandes
uma boca só
do café pela manhã
diariamente me lembro:
seus passos enchinelados
entrando pela greta
da porta do coração da gente
e nos dizendo bom dia
(faz tanto tempo)
poema pro macárius - 01/09/1979
enquanto a vida
na ponta dos dedos
apronta o seu destino
na arena dos números
os ponteiros trotam
minha solidão
enquanto a magia
descascando alho
espanta seus demônios
na dobrada da noite
milhões de capetas
me cospem no coração
enquanto a poesia
enletrada de cerveja
ludibria seus guardanapos
debruçada na mesa
meu resto de encanto
sou seu inquilino
pablo - 10/02/1979
(onde bate forte o coração da criança)
quando pablo nasceu
era carnaval
fazia fevereiro
e todo o universo
na garganta de pablo
raiou nascimento
pablo não tem idade
nem identidade
pablo é menino
e como tantas outras
crianças por aí
pablo sobrevive
pablo vem sendo
onde pinga longe
gotas de saudade
pablo é passado
onde pulsa quente
as coisas de agora
pablo é presente
pablo é um furo
um corte azulado
pablo é futuro
os olhos de pablo
são o céu
(á tardinha)
depois da chuva
com seu colar de arco-íris
pablo é catarata
escoando leve
que nem pena
de passarinho
pablo é o céu e o mar
brincando de fazer horizonte
pablo é quando o sol
cansado de aprontar raios
mistura as cores
e tinge a terra
pablo é um filete
de água miúda
recortando doce
extenções de terra
pablo é onde
a terra se acumula
pra ser montanha
pablo são nuvens
com asas de vento
simulando passarinho
pelo chão descalços
os pés de pablo deslizam
que nem brisa
felicidade
é a mão de pablo
tocando de leve
nas coisas
em pablo
não há tempo bastante
para contá-lo
pablo é o avesso
das coisas acontecendo
pablo é desenredo
pablo não é estória
pablo é um menino
que me pediu pra ser
e ficou sendo
caldeira (estudo I) - 16/06/1979
uma caldeira vista assim
só de viseira olhada
não conta o tempo sugando
não conta o suor escorrendo
não denuncia o bandido
nem o grito reprimido
esbugalhando nos olhos
por pirraça e picardia
desfazendo o inventado
desentranho da caldeira
o que está do outro lado:
se é destino traçado
o homem seu braço comido
sua força de trabalho
inteiro fazendo história
e rimo o quente metal
que me devora por dentro
com o suor escorrido
no rosto de tanta gente
verde que te quero ver-te - 19/01/1980
(a preparação para o poema)
pro sérgio welinghton)
branco
que não te quero
bronco
te quero de boca
falado
branco
que não te quero
brando
te quero de punhos
cerrado
branco
que não te quero
pálido
te quero de sangue
banhado
branco
que não te quero
parvo
te quero de vidas
atado
em busca da palavra - 24/05/1980
"o signo como ídolo prende
o indivíduo no imediato
da representação subjetiva.
é solipsista e narcisista."
fosse o tempo
esse espaço pervertido
destituído de briga
pesadelo brusco
escavacando a saudade
retalhando o mundo
naquilo que nos concede
por menor que seja
gente
mais valia
e se não fosse tanto
o conviver doído
em tudo e já faz tantos
que no aprendizado
o sangue virou suco
servido em mesa larga
dessa poetada antiga
essa poemada adunca
preto retinto da noite - 02/08/1980
pro adão ventura
preto retinto d noite
eu sou da áfrica
essa cor expatriada
animal encabrestado
pra servir a qualquer dono
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
esse corpo enchibatado
animal então domado
pra servir bem o meu dono
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa mão alevantada
de zumbi cabeça cortada
por domingos jorge velho
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa voz enclausurada
esses olhos embotados
doendo fundo
preto retinto da noite
eu sou da áfrica
essa raça espoliada
por três leis ludibriado
que entretanto não engulo
poética - 14/02/1981
pra tânia Heller
minha poesia
é um menino antigo
sentado na cancela do tempo
afiando o seu bodoque
tecendo sua pedrada
minha poesia
é onde o tempo
não marca espera
nem ponto de chegada
minha poesia
é a mulher qu'eu nunca tive
esperando sem pressa
um dia ser amada
minha poesia
é a miséria do povo
cantando na rua
a sua fome
minha poesia
não traz gula
nem palavra espreitada
minha poesia
é a vida acontecendo
e o meu caminhar com ela
fantasia - 08/08/1981
(pro thiago - meu filho)
o nome não interessa
a idade não vem ao caso
pois quando se é criança
o coração é bem largo
que nem canteiro curtido
pra semente preparado
disposto pra plantação
e foi assim que de repente
de modo desavisado
que a poesia plantou
com toques de encantado
no coração do menino
que só vivia trancado
miúdo no apartamento
e tudo aflorou fluiu
de modo inesperado
no coração do menino
que vivia bilotado
mal sabendo das coisas
que têm de muito um bocado
de encanto pra tanta vida
mal a manhã acordava
bocejando a sua cor
o menino já transava
por detrás do horizonte
que fica ali bem de frente
do apartamento trancado
uma pitada de sol
invertendo o bocejo
que vem da boca cançado
vestiu-se todo de um vento
que anda sempre molhado
e saiu soprando de leve
uma saudade danada
das montanhas que haviam
encheu encharcou de terra
pra tanto espaço vazio
seu coração ondulado
e o fileto miúdo
de água tão limitado
empapuçou-se de encanto
jorrou molhou pelos lados
tanta terra ressentida
e o que era castanho
elos olhos modulados
vestiu-se todo de um verde
de matas pelo lembrado
e se atirando de manso
pelo caminho alargado
que tem de água o profundo
aprontou ondas
estendendo um tapete
de tanta areia tão largo
que se perdia de vista
por gosto do contornado
teceu praia
com tanta coisa bonita
pintando assim à doidado
no coração do menino
que só vivia trancado
pela greta do vidro
do basculante quebrado
ensaiou ser passarinho
da gaiola libertado
e se atirou pelo onde
no mundo do faz de conta
vestidas todas de branco
as nuvens têm aprontado
as brincadeiras de sempre
fazendo arruaça no céu
pedaço de terra - 1987
(pro thiago - meu filho)
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra soltar papagaio
no céu mais bonito
que possível houver
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra fincar brincadeiras
e seu encanto de gente
banhado de azul
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra molhar o seu corpo
num riacho gostoso
cristalino de luz
um pedaço de terra
o meu filho vai ter
pra aprontar-se menino
que nem passarinho
treinando pra ser
visitantes noturnos - 1987
há muito tempo
os mortos
não me deixam dormir
eles circulam pela casa
o tempo inteiro
inventando coisas:
na fornalha
minha mãe prepara
uma goiabada
que nunca chega ao ponto
(me pedindo lenha
que nunca acaba)
na bigorna
meu pai martela
um outro tempo:
conserta a garrucha de são pedro
barganha com os anjos
e futrica no relógio de deus
uns olhos verdes
caminha pelos cômodos
cantarolando saudosa
(assobiando reprimida)
uma cantiga que sempre cantou
uma canção de banho
e uma caneta que de formatura
de presente e prestante
se perdeu no tinteiro do tempo
é recente indigente
e do meu lado esquerdo
do outro quarto
um outro defunto
entre livros e pigarros
me cutuca na noite
pra eu registrar
as nossa memórias
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