sábado, 27 de junho de 2009

antologia poética - 1987

antologia poética - 1987





trilhos


se de vitória
o nome trago
por escrito


de luz
meu sobre-nome
só transbrilha

mas na verdade
nada disso acontece
que de perdedor
em tudo opaco
são os meus trilhos


ainda se marcam os gados


quem já sentiu a dor do amor
traz lesado em profundo o coração
é proção reservada nessa vida
liga pouco e retrai na intenção


quem já do amor marcado foi
em pêlo vivo sempre será
a cicatriz do ferro visgo
mordendo dentro da solidão


quem já remédios procurou
pra ter alívio desse fogo
engana a brasa mas a chama
- que vive acessa - engana não


gauche


um passarinho cagou
no meu peito:


em erva-daninha
seu canto teceu
uma rede
me emaranhando
pelos lados todos todos


um passarinho cagou
na memória:


em erva-daninha
(por experiência)
sua merda
é uma mangueira
miúda de fruta
complicada de limpar


novo dia


quem do sol a luz
sorveu um dia
não pode à treva
se atrelar
que a esperança
se reveste de morteiro
lançando além do peito
o esperar


que por mais que prolongada
seja essa hora
feito fera rosnando
no seu dentro
quem do sol a luz
sorveu um dia
põe na espera
o encontro do momento


van gogh


nas entranhas
do existencial
van gog
mamou
e viu
que o esgoto
fala mais alto
por imposição de lei


estrela inútil


alta e fria uma estrela
eu nunca vi luzindo
no meu dia-a-dia


tão alta tão fria
(sozinha)
uma estrela deve ser
longe dos meus olhos


sem a minha companhia
(distante)
uma estrela é solidão
num céu inútil de cor


sombra profunda ausente
uma estrela é nada
perante ao que não espio


memória


eu nasci quando
minha mãe
cansada
de tanto parir filhos
raspou no tacho
(das entranhas)
minha existência


uma luz pálida
cheirando a V I C K
me ninava na cama
sem respiração
a minha insônia


vontade de poder dormir...


primavera


suspeitam que as flores
durante os meses
todos
se reservam
e se aprontam
lindas
pra setembro


eu confirmo


germinação


quando o sol
trepa na terra
feito um garanhão


grávidos de setembro
os canteiros
parem flores


permanência


uma estrela nunca
............ cai
cintila sempre


R O C H A


a poesia brsileira
está necessitada
de uma dose
de sal
D E G L A U B E R


amor não se negocia


amor não se negocia
que o amor não tece preço
é o inverso do avesso
naquilo que então se fia


se negociado o amor
pelo preço então tecido
o inverso do avesso
deixa de ser pelo sido


conceito


a saudade
é uma chave-de-fenda
arrochando
um parafuso
(dentro)
do meu peito


panorama
(a propósito de sinestesia)


um vento fogoso
fazia farfalhar as folhas
que de verde tiniam
ao sol da manhã
pra ser só brilho
estalando nos olhos
matálica aurora


de frio o orvalho
se vestia de gota
roubando das rosas
um cheiro macio
de pétala gostosa
feito em sabor de primavera
escancarando da boca


envolvendo a todos
nos sentidos da vida


cantiga de amor


debruço meu coração
no que me arrisco
amando a ti
submisso e atrelado
feito um vassalo


que o tempo por média
não traz idade


debruço meu coração
no que me insisto
amando a ti
feito um refrão pisado
mas de cantoria revestido


que o amor só por si
é mais que um fardo


distância


linda
tu te alargas deste azul
feito um mar
(misteriosamente)
decorado pelo trigo
e eu navegante
no que persigo
sem norte
te espio
aqui do sul


poética


na dimensão da espera
sedimento meu canto


no exercício sempre
amadureço minha poesia


e de simplicidade vestido
me eternizo em palavras


F E C H A D O P R A B A L A N Ç O


(atrás da porta do peito
há um estoque de vida
empilhado
na prateleira do tempo
pedindo avaliação)


A B R I R E M O S B R E V E


lamento
(pra ailton e grupo de teatro kaquende)


acorda sabará acorda
pra essa história escutar
nosso canto é um lamento
em cada peito ele está


acorda cidade acorda
engrossa essa procissão
da vela velando "o velhas"
morrendo em nossas mãos


acorda sabará acorda
vem a fileira engrossar
derramando suas lágrimas
neste rio por secar


acorda cidade acorda
que a morte está chegando
batendo em suas portas
por um rio lamentando


acorda sabará acorda
vem com a gente chorar
que o rio das velhas agoniza
não pode mais esperar


dois tempos


quando eu era pequeno
(deitado no balcão
da loja do meu pai)
um céu bem próximo
me ditava lições de nuvens
eu tinha a sensação
de que subindo o morro
podia tocar o infinito
com a ponta do dedo


estando agora grande
(sentado na mesa
de um bar qualquer)
um céu ausente
não me ensina nada
e eu tenho o presentimento
de que aos poucos morro
com a ponta do dedo
escarafunchando o nariz

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