sábado, 20 de junho de 2009

antologia poética - 1988 (segunda parte)

antologia poética - 1988
(segunda parte)









em busca de mim

em que espelho escondi
a máscara do tempo
se em meu rosto
só marcas existem

em que memória deixei
meu lerdo esquecimento
se no meu peito antigo
só carrego lembranças

em que espaço lancei
minha mão procurando
se em meu braço atrevido
só gestos se fazem

em que caminho ficou
meus passos perdidos
se em minha sina
só existe estrada

em que ponto infinito
se perdeu minha vista
se dos meus olhos aflitos
essa vontade de encontro

nunca se farta

juizo inicial

um dia
quando (após
tanta ignorância
os homens
se desfizeram
da aurora
sobre eles
implacavel
mente
descerá
as trevas


tardia
mente
a luz que sempre
irradiou a poesia
eles compreenderão

amor

o tempo exato
a exata consciência
desse tempo

e a solidão
cravando meu peito
o seu punhal de ausência

terceiro tempo

meu coração
parece um campo vazio
de futebol

e eu que jamais
vesti camisa qualquer
me vejo obrigado
a calçar uma chuteira
esquerda de pé

meu coração
parece um campo

e eu que nunca
fui a estádio algum
me encontro forçado
a xingar no silêncio
o ausente juiz

meu coração

o filho qu'eu não tive

o filho qu'eu não tive
lateja dentro do ventre
e me dói pelas entranhas
o que nunca em mim vingou

no meu peito ressecado
o leite nunca bebido
é mais que um martírio
branco do que azedou

a ausência do seu choro
me estronda pelo ouvido
que esse silêncio oco
é mais forte que explosão

e o qu'eu tateio aflita
me devora toda inteira
me estraçalha completa
por esse vazio de mão

o filho qu'eu não tive

o filho qu'eu não tive
lateja no meu ventre
me dói pelas entranhas
o que não vingou
e no meu peito seco
o leite não bebido
é mais que um martírio
branco que azedou

a ausência do seu choro
me estronda no ouvido
que esse silêncio oco
é mais que explosão
e o qu'eu tateio aflita
me devora toda
me estraçalha inteira
o vazio da mão

canto maior

por ser linda mais que bela
tnto encanto só me encanta
mesmo sabendo entretanto
que todo esse meu canto
pra você é bagatela

por ser linda mais que bela
eu me sinto mais encantado
mesmo me sabendo deixado
num canto abandonado
tecendo o meu desengano

por ser linda mais que bela
meu canto se encontra cativo
mesmo me sabendo esquecido
pelos teus moucos ouvidos
que não se encantam com nada

o galo

seco de vez
o galo sem voz
rumina as notas
do seu desatino
como se fossem
cacos de vidro
rasgando por dentro
a sua solidão

releitura estética de "o canto do galo"
autor: eugênio montejo (venezuela) - tradução: sérgio faraco

o canto
está fora do galo
está caindo
gota a gota
entre seu corpo

agora
ele dorme
na árvore

cai
dentro da noite
não cessa de cair
entre suas veias
e sua asas

o canto
(irresistível)
está enchendo
o galo
como um cântaro

enche
sua penas
suas esporas
até que transborda

e soa imenso o grito
que no vasto mundo sem tréguas
............................................. se derrama

depois
as asas voltam
ao repouso
e o silêncio
se torna compacto

o canto
outra vez está fora
esparso na sombra do ar

dentro do (galo)
só vísceras e sonho

uma gota
que cai
na noite profunda
silenciosamente
ao tic-tac das estrelas

lembrança

o tempo entrelaçado
vem tecendo sempre
o seu lerdo tecido
matizado de passado

e essa manta antiga
(de memória carregada)
me pesa no peito
feito uma tonelada

égua

me dasarreia toda
me morde pela boca
como você quiser
deixei de ser mulher
sou sua égua mansa
: me entrego e não canso
me tenha pra valer
e nesse pertencer
me espora o coração
estou nas tuas mãos
agarra os meus cabelos
: eu me dou em pêlo
e para teu sossego
eu troto por amor

vem de manso

vem de manso
qu'eu sou branda
que nem brisa
que desliza
me sente inteira
a roçar
nos cabelos teus
feito a manhã
que clareia
eu persigo
este brilho
do teu sol
nos olhos meus

de volta em mim

de volta em mim
estando em mim
a saudade se estabelece
( profundamente ):

e o tom desmaiado do passado
aos poucos - lentamente
vai aclarando a transparência
de eu ter sido

de volta em mim
estando em mim
a saidade se estabelece
( perfeitamente ):

e o papagaio no vento
fura a seda do céu
enquanto a linha do tempo
se ata na carretilha

solidão cósmica

sem lua e sem estrelas
a escuridão da noite
rumina seu manto
negro de vestido

e o orvalho são
..... lágrimas
enganando pétalas

destrelado

destrelado da canga
rumino minha solidão
de homem extraviado

sem candieiro
sigo (só) o meu caminho

e a guiada no meu lombo
é uma cicatriz me lembrando
o meu destino de boi

a saudade

a saudade se veste de lembrança:
um cheiro macio floresce frutos
enquanto um doce sabor de abelhas
futrica o quintal do meu sonho

por detrás da cerca que divide o meu tempo
do alto da janela do meu passado
eu antecipo um céu pontilhado
de jaboticabas pretas

casca macia é o horizonte da minha infância

são joão del'rei - impressões

são joão del'rei
são casarões antigos
(assombrados):
janelas muitas
portas diversas
sacadas várias

o branco das paredes
carcomidos pelo vento
dá à cidade
um tom de mofo
secular cheirando

o desbotado azul
das portas e janelas
são trincados sonhos
encardidos pelo tempo

sobre cumeeiras
altas telhas vigilantes
se entrelaçam
religiosamente expostas
espiando o céu

à medida
que a gente vai passando
pelas estreitas e tortuosas ruas
os "passos" se postam
frios feito contas de rosário

o tempo em são joão
não segue o do ponteiro:
igrejas caducas
(sem mais nem menos)
anunciam pelos sinos
as horas de deus

e enquanto a aurora reza missa
o carnaval sonha com fevereiro

tantas mulheres

tantas mulheres
pra nada

meu coração
parece
um saco
sem fundo

me empresta
a linha
do seu coração
pra eu arremendar

o meu
partido

cantiga de amor

do alto a dona que doma
todo esse sentimento meu
por que meus olhos sofreu
e hão de chorar ainda
.................. vassalo me condenou

essa dona que me doma danada
todo esse peito meu
mais que poeta coitado
a ela me deixou atrelado
................ trovador deste amor

lamento

acorda januária acorda
pra essa estória escutar
nosso canto é um lamento
em cada peito ele está

acorda cidade acorda
engrossa essa procissão
da vela velando o chico
morrendo em nossas mãos

acorda januária acorda
vem a fileira engrossar
derramando suas lágrimas
neste rio por secar

acorda cidade acorda
que a morte está chegando
batendo em suas portas
por um rio lamentando

acorda januária acorda
vem com a gente chorar
que o velho chico agoniza
não pode mais esperar

quadrinha erótica

iguais em tudo
elas são
C O M O
são iguais

ainda não

ainda não
é possível amar

turvando o peito
nenhuma luz
simula brilho

ainda não
é possível amar

contida a mão
nenhum gesto
tece carinho

ainda não
é possível amar

selada a boca
nenhuma palavra
balbucia amor

ainda não
é possível querer

as várias releituras de um poema para um possível amor

na tua pele mulher
eu quero as mãos deslizar
de vontade tão macio
brando de acariciar

nas margens da tua boca
quero meu beijo aportar
de sempre te amar assim
do jeito qu'eu posso me dar

no teu corpo mulher
inteiro quero me entregar
num delírio intermitente
te amando além do amar

boneca de pano

toda menina esperta
apronta o seu presente
e toda contente faz
sua boneca de sempre

com um resto de retalho
recorta um formato de gente
que depois de costurado
de algodão ela enche

põe vestidinho florido
prega olhos de botão
inventa trança de corda
e depois num pano enrola

pedaço do seu coração

o amor é bicho doido

o amor
é bicho doido
não regula bem
da bola
quando menos
se espera
pedra atira
em nosso peito

o amor
é bicho doido
com seu saco
e seu porrete
menos quando
se espera
o seu cacete
deita em nós

o amor
é bicho doido
anda sempre
sem parar
por uma estrada
sem fim
sem nos dizer
quando chegar

o amor
é bicho doido
não regula bem
da bola
quando menos
se espera
pedra atira
no meu peito

o amor
é bicho doido
com seu saco
e seu porrete
menos quando
se espera
deita em mim
o seu cacete

o amor
é bicho doido
anda sempre
sem parar
por um estrada
sem rumo
sem ter pressa
de chegar

agulha do tempo

com a agulha do tempo
costurando no vazio
inutilmente tento
arremendar o ter sido
dum amor mais que desgastado

mas alinha do passado
é um fio tão frágil
que se arrebenta todinho
ao penetrar lentamente
no tecido da saudade

vazio

há muito eu ando
fumando muito :

uma ansiedade danada
devora meus sonhos
amarela meus dentes
mancha deixa
nos meus dedos

e o cigarro
MISTURA FINA
(qu'eu gosto tanto)
encharca de fumaça
a minha vida

reavaliação
.............. "amar o perdido
................ deixa confundido
................ este coração"
.............................. carlos drummond

não sei se a perda em si
(naquilo que em tudo é:
em si mesma tão perdida
um ganho pelo que é

nem tudo que é loiro é trigo

como todo homem nessa vida
em busca de terreno pra plantar
terra arei pra construir amar
e dela cuidei zeloso nessa lida

foram anos seguidos a fio foram
os cuidados com qu'eu tinha que cuidar
mas a semente escolhida pra gerar
disfarçando-se em trigo que era joio

sem saber que o que crescia erva era
daninha na intenção de desmoronar
a colheita qu'eu ansiava linda

em joio jorrou na minha vida
tão depressa sem dar tempo d'eu ceifar
pois vontade eu mais não possuía

o que antes era vivo amanheceu
(morto)

e todo aguardavam
(sem compromisso)
a sensação da hora
da alça do caixão

de saco cheio de tanto
esperar tanto
(o morto)
sem ter que comprar passagem
baixou lá pra ponte nova

e deu banana pra todos

réquiem para um morto

este morto
está morto
arbitrariamente
deposto
da vida

este morto
está morto
ordinariamente
exposto

este morto
está morto
profundamente
(sozinho)
sem dono

do mundo

destino

não sei se o destino por ironia
tramando anda todo pro meu lado
quando de estreito já me sinto largo
no mesmo nome antes tirania

teria enfim o tempo moldurado
o reencontrar no mesmo nome amor
quando antes o que era dor
me volta vivo de amor traçado

pouco me importa que o nome revivido
me traz a lume tal pressentimento
se em lugar de mágoa brota o sentimento
de amar uma outra de mesmo nome vestido

sete anos

se jacó sete anos dedicou de sua vida
por resgatar com trabalho o seu amor
foi no engano dessa espera indefinida
que em labão (pai) a trama se formou

não mais raquel (sua única preferida)
teve o pastor como sempre pretendia
porque "o pai usando de cautela
em lugar de raquel lhe dava lia"

no paralelo que a vida tece - o tempo
me reaviva de jacó o sentimento
porém meu peito em nada exaspera

no mesmo empenho hoje me hei visto
mas sei que o amor não se arma em ser confisco
pois ele é grande e se alastra pelas eras

cena de um sepultamento

lamuriando sobre a sepultura
olhos derramam
lágrimas sobre o morto

sob a terra fria
o corpo morto
permanece indiferente

nada mais me atinge

nada mais me atinge
senão a certeza (absoluta)
de eu sobreviver-me

seco por dentro
meus olhos são cristais
cumprindo o seco ofício
de aceitar (indiferente)
a turbulência das águas
dos outros derramando

frio feito um fio de navalha
minhas palavras sangram
na pelo dos outros

e o mais qu'eu posso
(nessa altura do campeonato)
é esperar que o tempo deles
se vista de cicatrizes

pois nada mais me dói

inventário

o que eu amava
(e me roubaram)
já não me importa

um tempo elástico
(cumprindo o seu papel de borracha)
lentamente vai apagando
o que eu sentia

o que eu presava
(e me tomaram)
já nem me toca

e de sobrante fica
(em mim eternamente):
uns sentimentos ralos
e uma suspeita antiga
de eu ter sido

perdas

perdas atrás de perdas
o tempo deposita
(em meu peito)
só lembranças

e a saudade
é uma chave-de-fenda
arrochando
um parafuso
(cá no dentro)

cantar bonito
"o que amas de verdade não te será arrancado
o que amas de verdade é tua herança verdadeira"
.................................................................. ezra poud

a muitas eu amei e hei amado
e sempre amarei por toda vida
que a mulher é ponto de partida
e pela vida se faz ponto de chegada

pouco importa os desencontros que hei tido
que a procura é sempre eternizada
ascende o fogo baixa logo a chama
mas da cinza sempre brota o renovado

assim serei pra sempre esse prestante
me atirando pelo gosto de amar
só não amarei quando me faltar um dia
a vida quando na morte eu me aportar

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