cidadezinha qualquer (carlos drummond de andrade)

Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Análise do poema
....... Este poema de Carlos Drummond de Andrade
(Alguma poesia - 1930) sempre despertou nossa
atenção.
....... Durante anos, trabalhamos, em sala de aula, com
esse texto e, para nossa surpresa, a cada análise feita
descobrimos a densidade poética dessa poesia.
....... Observamos que a primeira estrofe é constituída
de frases nominais (frases destituídas de verbos).
Pelo que percebemos, o autor intencionalmente, ao
fazer uso dessas frases, elimina toda ação da estrofe.
O mesmo não acontece na segunda estrofe, onde
encontramos a presença de três verbos intransitivos.
....... Na primeira estrofe o autor faz uso de sete subs-
tantivos (casas, bananeiras, mulheres, laranjeiras, pomar,
amor e cantar). Cantar, aparentemente, é a forma infini-
tiva da primeira conjugação, mas, na verdade, equivale
ao substantivo canto.
....... Mais interessante é que o autor relaciona casa entre
bananeiras. Bananeira, conotivamente, pode significar:
alimento básico da família, mercadoria que pode ser ven-
dida na feira, decoração de ambiente rural e até mesmo
pode cumprir a função de latrina. Por outro lado, o poeta
estabelece a relação de mulheres entre laranjeiras.
Laranjeiras trazem uma simbologia ampliada que podem
significar pureza, casamento (usa-se no casamento um
bouquê de flor de laranjeira), matrimônio, amor, etc.
....... A preposição entre, usada nessa estrofe, estabelece
uma relação de lugar no espaço, estreitando ainda mais
a relação desses elementos.
....... Carlos Drummond, como todo modernista da Geração
de 22, desrespeita uma regra gramátical (ausência de vír-
gula entre os termos coordenados da estrofe), para refor-
çar a unidade entre os elementos da cidadezinha qualquer.
....... Percebemos que o elemento humano mulheres está
preso entre dois versos. Visualmente, esta imagem nos
remete à condição de vida das mulheres do interior:
elas vivem em um ambiente fechado, sem direito a tomar
decisões, na condição de dona de casa. Vejamos:
....... --------------------------
....... mulheres entre laranjeiras
....... --------------------------
....... Já na estrofe que tem como referência o homem, a
estrutura se manifesta de uma maneira diferenciada, ou
seja, o homem está à frente de dois outros versos.
Isso nos leva a crer que o papel do homem na cidadezinha
qualquer é de liderança e de tomada de decisão: ambiente
externo. Vejamos:
....... Um homem vai devagar.
....... -------------------------
....... -------------------------
....... Na segunda estrofe, o autor faz uso de três verbos iguais
(vai). O verbo ir é um verbo intransitivo, destituído de obje-
tivos direto ou indireto. Compreendemos que todos os elemen-
tos da cidadezinha participam da mesma ação e da mesma mo-
notonia (o homem, o cachorro e o burro). A falta de objetivo
desses elementos é reforçado pela repetição intencional do
advérbio devagar, denotando a monotonia que envolve os
próprios.
....... Na terceira estrofe a ação intransitiva e o advérbio de
modo são novamente utilizados, para reforçar a idéia de mono-
tonia. O uso das reticências é significativo, porque amplia visual-
mente a curiosidade recatada do povo dessa cidadezinha.
Observamos que as janelas olham. Olham como? Através da
frestas das janelas. Entendemos que as frestas das janelas são as
reticências.
....... A última estrofe inicia-se com uma interjeição típicamente
mineira "Eta". Essa interjeição, expressão de um sentimento
súbito, na verdade, é o desabafo do poeta diante da monotonia
da cidadezinha.
....... A vida é besta, não por só se referir a simplicidade e tolice dessa
cidadezinha, mas também por fazer referência ao animal "besta"
por sua propriedade de ser estéril.
....... A solidão do autor, está explícita, quando faz uso do vocativo
"meu Deus". Entendemos que só Deus possa compreender seu
espanto diante dessa cidadezinha.
Excelente análise. Drummond é complexo de se entender.
ResponderExcluirpela falta de artigo na primeira estrofe, o substantivo dessa estrofe ficam definidos ou indefinidos?
ResponderExcluirFICAM DEFINIDOS SE SABE AO CERTO A QUAIS SE REFEM
ExcluirJá na segunda estrofe o artigo foi empregado, isso faz diferença no sentido da primeira estrofe para a segunda estrofe?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiruma bela de um bosta
ResponderExcluirintelecto de ameba destruida
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