
soneto
"nem o tempo há de apagar
as digitais do meu dente
ao longo do seu corpo"
........................ wander piroli
por tanto tempo nossos corpos tão unidos
que a perde dele em tudo me embaraça
é feito dia sem sol quando se embaça
é feito noite sem lua tecendo fio
o teu corpo por demais só me sacia
que no gozo eu me perco te encontrando
e quanto mais te tenho mais vou te amando
feito fêmea parindo a sua cria
mas por certo hora virá e será dia
que do teu corpo estarei dele apartado
tal que nem braço amputado por faca fria
e no meu canto sem tecer o desencontro
já não mais te cantarei como devia
mas o meu dente no teu corpo estará cravado
a conversa qu'eu nunca tive
a conversa qu'eu nunca tive
com meu pai
ainda é no tempo
um nó na garganta
contamos nos dedos todos;
as palavras ensaiadas
as horas sempre adiadas
os olhares de estravio
os agrados dissimulados
éramos cúmplices?
ave & avião
tinha uma vez um avião
viajando pelo espaço
havia uma vez uma ave
passeando pelo céu
o que tinha de aço
a outra possuía de mel
um roncava suas dores
a outra cantava no céu
joaninha
coitada da joaninha
de catacores todinha
na palma da minha mão
no seu todo tão tadinha
quem é que salpicou de cores
essa porção miudinha
foi o arco-íris pintor
ou o pintor de arco-íris
noite escura
a lua desencantada
nem quase brilhou no céu
as estrelas coitadinhas
todas careciam de luz
o céu todo tristonho
vestiu seu manto apagado
enquanto na terra luzia
muito mais do que devia
entrepiscando todinhas
as lanternas dos vaga-lumes
tablete de sonho
o céu vestido de azul
estala nas vistas bonito
é tão intenso de cor
que mais parece um grito
das roupas das lavadeiras
alvejadas de algodão
a poesia
a poesia sempre
foi meu forte
é meu artista
é o meu norte
e isso faz muito
desde eu menino:
inventando coisas
aprontando estórias
sempre fui
de pé esquerdo
mão que me devora
no mar profundo da vida
no mar profundo da vida
o amor é peixe esperto
vê a linha engole a isca
mas do anzol nem chega perto
quem se arrisca a pescador
tem que ter muito cuidado
em remar em mar bravio
enfrentar desencontrados
porque quando menos se espera
fisgado é o amor
mas uma dúvida sempre fica
quem é que é pescado
o peixe ou o pescador
cantar bonito
eu que cantava bonito
sou trinado de trizteza
e o que brilhava bonito
é opaco com certeza
a leveza do meu gesto
é só peso de intenção
e onde havia fogo
não mais hoje existe não
o qu'eu havia aberto
em tudo virou portão
cadeado reforçado
segredos de coração
porque as chaves da vida
inda não encontro não
algumas considerações em torno do amor
o amor anda em tudo
é um doido andarilho
sempre inventando coisas
no seu saco sempre brilho
é feito fogo constante
que se alastra sem parar
com mil chaves de segredos
segredos por desvendar
o amor não tece tempo
é o reverso do começo
é uma ave toda aflita
se debatendo inteiro
nem mesmo a morte pode
o amor decepar
porque do fundo da terra
ele sempre há de vingar
por enquanto
me retardo por enquanto
nessa espera
(feito ave sem vontade)
de voar
me retenho por enquanto
no meu canto
(feito pássaro que se priva)
de cantar
me adentro por enquanto
nessa busca
(feito cego sem bengala)
pra guiar
me isolo por enquanto
em mim mesmo
(feito guia perdido)
no trilhar
por amor
por amor me esfacelo
por ele me entrego inteiro
sou boi indo pro corte
berrando feito cordeiro
por amor eu me desdobro
faço hora-extra na vida
e quanto mais me calejo
mais vou gostando da lida
por amor me desentranho
das tripas faço coração
que o gesto em sendo pouco
se vale da intenção
de retê-lo entre os braços
com tamanha exatidão
que a vontade se faz tanta
que ele escapa pelas mãos
após a tempestade
após a tempestade
sempre chega a bonança
e meu peito sem vingança
se veste de um canto livre
o pasto já se esverdeia
prometendo safra boa
e o amor hoje me soa
sem rancores sem maldades
no quintal da minha vida
no quintal da minha vida
tem fruta de todo jeito
têm borboletas bonitas
resumidas num enfeite
de serem só coloridas
com asas soltas no ar
no quintal da minha vida
jaboticabas são brilho
tinindo de serem pretas
para serem as mais belas
mordidas menino guloso
trepando no horizonte
de uma saudade sem fim
no quintal da minha vida
espio de longe
espio de longe
como quem espia o tempo
tecendo sua memória
se remoendo por dentro
a estória da minha cidade
começa por um ferida
de um certo adão coelho
com a perna em chaga viva
e como promessa cedeu
um condado de terra perdido
se o senhor por milagre
curasse ele em vida
proposta
que mais eu quero da vida
se a apropria vida me dá
esse dom de prosseguir
sem nunca pensar em parar
e vou seguindo assim
do meu jeito a caminhar
sempre procurando sempre
sem saber o que encontrar
que a procura me persegue
nesse meu sempre buscar
que a busca é minha gula
sem nunca me saciar
e quando um dia a morte
estúpida vier me chamar
mala pronta passo largo
com ela vou caminhar
por um caminho novinho
que nunca ousei nem trilhar
mas meu passo vou seguindo
nessa busca de encontrar
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