sexta-feira, 24 de julho de 2009

Dimensão Lírica - 2009

Dimensão Lírica - 2009
(de Bernardo Bonaval a Djavan)








Referências:
Bernardo Bonaval - poeta galego/portugues (séc. XII)
Djavan - poeta/músico brasileiro (séc. XX)


Epígrafe
"A cantiga de amor não trata de uma experiência
sentimental a dois, mas de uma aspiração, sem
correspondência, um objeto inatingível, de um
estado de tensão que, para se manter, nunca po-
de chegar ao fim do desejo." - SARAIVA, Antônio e
LOPES, Oscar - História da Literatura Portuguesa.

Textos para Análise

A dona que eu am'e tenho por senhor
............................................... Bernardo Bonaval

A dona que eu am’e tenho por senhor
amostráde-mi-a Deus, se vos en prazer for,
se non, dáde-mi a morte.

A que tenh’eu por lume destes olhos meus
e por que choran sempr’, amostráde-mi-a, Deus,
se non, dáde-mi a morte.

Essa que vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, ai Deus!, fazéde-mi-a veer,
se non, dáde-mi a morte.

Ai Deus, que mi-a fezestes mais ca min amar,
mostráde-mi-a u possa con ela falar,
se non, dáde-mi a morte.


Versão da Cantiga

A dona que eu sirvo e que muito adoro,
mostrai-ma, ai Deus! pois que vos imploro,
senão, dai-me a morte.

Essa que é a luz destes olhos meus
por quem sempre choram, mostrai-ma, ai Deus!
senão, dai-me a morte.

Essa que entre todas fizestes formosa,
mostrai-ma, ai Deus! onde vê-la eu possa,
senão, dai-me a morte.

A que me fizestes mais que tudo amar,
mostrai-ma onde possa com ela falar,
senão, dai-me a morte.

Meu bem querer
...................... Djavan

meu bem querer
é segredo, é sagrado
está sacramentado
em meu coração
meu bem querer
tem um quê de pecado
acariciado pela emoção

meu bem querer
meu encanto, estou sofrendo tanto
amor, e o que é o sofrer
para mim que estou
jurado pra morrer de amor


Paralelo entre a Cantiga e a Música


....... O gênero lírico por pertencer e fazer referências a um
mundo subjetivo, rompe com o tempo. Neste gênero, o
tempo passado e o tempo futuro, apontam para um alvo
que é sempre presente (T. S. Eliot).
....... Dentro dessa perspectiva, compreendemos que entre
Bernardo Bonaval (trovador medieval galego - séc. XII) e
Djavan (músico conteporâneo brasileiro - séc. XX) a linha
do tempo é rompida, na medida em que os recursos temáticos
e poéticos, usados por esse, encontram ressonância nos
recursos poéticos usados por aquele.
....... Uma das características da cantiga de amor é a presença
do "eu-lírico" masculino, ou seja, quem fala é o homem.
No caso temos o "eu-lírico" de Bernardo Bonaval e o "eu-lírico"
de Djavan. Correspondentemente "a dona que eu sirvo" e
"meu bem querer".
....... Outra característica da cantiga de amor, bastante evidente,
é um fato de a mulher se encontrar num plano superior inatingível,
indiferente ao poeta. O poeta jamais realizará, no plano físico, o seu
amor, uma vez que a mulher é indiferente ao sentimento do poeta.
....... Nessa condição, a mulher é adorada (B.B), a mulher é sagrada
(Djavan). A uma o poeta rende culto, venera; a outra o poeta se
dedica e acaricia pela emoção.
....... Na cantiga de amor, o nome da mulher amada jamais pode ser
revelado, uma vez que essa mulher, ou é casada, ou pertence a uma
classe social superior, ou até mesmo, porque essa mulher não existe
de fato: ela é fruto da imaginação do poeta.
....... Na cantiga de Bernardo Bonaval, ela precisa ser mostrada
"mostrai-ma", que se repete quatro vezes. Em Djavan o "bem querer"
é segredo, é sagrado e está sacramentado no coração do músico.
....... Diante da indiferença da mulher, o poeta, na cantiga, padece de
um amor de coita, ou seja ele é um sofredor, um coitado.
Nesta cantiga, o sofrimento expresso pela interjeição "ai" que se
repete três vezes e os olhos do poeta "sempre choram".
Em "meu bem querer", Djavan está "sofrendo tanto", e o "sofrer"
é superado, pois ele está "jurado / pra morrer de amor".
....... Na cantiga de Bonaval, escontramos o uso do refrão que se
repete quatro vezes "senão, dai-me a morte". Este refrão, repetição
do mesmo verso no final de cada estrofe, em Djavan, contrariamente,
ele aparece no início de cada estrofe "meu bem querer".
....... Diante do exposto, tentamos ampliar a dimensão lírica que une
trovador medieval e músico conteporâneo, sedimentados pelo lirismo,
que não encontra barreiras, pois: na poesia, "o tempo passado e
o tempo futuro apontam para um alvo que é tão presente."

Nenhum comentário:

Postar um comentário